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John Mark McMillan: Mercury & Lightning

Você precisa conhecer John Mark McMillan. Melhor dizendo, talvez já o conheça. Esse cantor e compositor de Charlotte (NC), nascido em 1979, foi quem escreveu a música How He Loves (Ele Me Ama), que acabou se tornando uma das principais canções do cenário cristão, regravada por outros diversos artistas no decorrer das últimas décadas. Sem dúvida alguma, no entanto, ele tem muito mais a dizer do que apenas How He Loves – na verdade tem mais a dizer sobre a própria música.

São cinco álbuns de estúdio já lançados: The Sounds Inside The Songs Of Breaking Down (2005) – que trouxe a público How He Loves – , The. Medicine (2010), Economy (2011) , Borderland (2014) e o recente Mercury & Lightning (2017). Além desses, John Mark lançou também The Borderland Sessions, com versões alternativas do álbum de 2014; o EP You Are The Avalanche (2015), em conjunto com sua esposa Sarah e o excelente ao vivo Live At Knight (2015). Ao longo de toda sua discografia, tem viajado por diversos estilos, desde os formatos mais tradicionais da worship music, passando pelo folk ao indie com traços eletrônicos. Tudo isso marcado por uma sonoridade intensa, contemplativa e reflexiva. Sua inclinação a explorar é uma de suas características mais atraentes.


Em um “ciclo de coisas iguais”, John Mark consegue manter saudável sua criatividade e honestidade. Há uma tentativa de reverter a arte de aparências que ele enxerga especialmente em artistas cristãos. John faz parte de um grupo (consigo colocar junto dele, por exemplo, bandas como o Kings Kaleidoscope, The Brillance, Josh Garrels e outras) que tentam reformar o jeito de se fazer música cristã, ou worship music. Todos estes são artistas incomodados com a monotonia e superficialidade visíveis nesse tipo de produção. Talvez isso seja decorrente de uma espiritualidade rasa ou do apelo comercial que tomou grandes proporções. São muitos fatores envolvidos.

“Sinto como se a adoração como um todo (worship music) tenha se tornado um pouco menos interessante, e eu penso que isso tem muito a ver com o tanto de sucesso que tem tido.” – John Mark McMillan [1]


“Ninguém está ouvindo música para desafiar o jeito com que acredita. O que eles realmente querem é afirmar seu próprio estilo de vida. Isso é verdade na música cristã também. Querem afirmar o que já acreditam, então quando me debato com o que acredito isso gera muito conflito.” – John Mark McMillan [2]

De uns anos pra cá John Mark sofreu todas essas pressões. Ele conta, em uma entrevista à Relevant Magazine [1] que em determinada etapa da carreira parou de se preocupar com a perfeição de suas letras e se o que ele cantava era o que as pessoas queriam ou não ouvir. Desde então enfrentou desaprovação e passou por crises de fé. Percebeu que a honestidade não é lucrativa, mas trouxe muita maturidade.


“Eu quero inspirar as pessoas a dizerem o que elas sentem e não o que elas sentem que deveriam dizer. Porque se elas sentem como se tivessem que fazer algo, elas não dão a si mesmas a oportunidade de serem genuínas. Apenas dirão coisas, que são coisas boas, mas depois de um instante perdem o significado.” – John Mark McMillan [3]


John Mark está preocupado em ver pessoas não editadas: coração exposto e adoração visceral. Ele começou a perceber isso quando sua música mais conhecida surgiu do momento mais doloroso de sua vida. How He Loves que é hoje, na maioria das vezes, usada como expressão da superficialidade que conversamos agora pouco, veio à tona logo depois de John ter perdido seu melhor amigo. Stephen Coffey faleceu em um acidente de carro. Curiosamente, naquela mesma noite, em uma reunião da comunidade que participava, o rapaz havia dito que estava disposto a dar sua vida para que mais jovens se aproximassem de Cristo.


John diz ter sido tomado de raiva contra Deus. Mas na brutalidade da relação a canção nasceu: “Deus foi capaz de tomar algo terrível e me mostrar alguma coisa através disso”. Nosso artista entendeu que a Igreja deveria incorporar mais canções de tragédia, perda e desespero em seu “repertório” de adoração. Afinal, isso se vê nos Salmos do início ao fim. Na arte, coisas ruins que acontecem na vida de pessoas ordinárias tem muito a ensinar.


 

Do esforço para a honestidade em meio à dor e a vulnerabilidade surgiu o excelente Mercury & Lightining, quinto disco de estúdio do artista. Anunciado ainda no segundo semestre de 2015, o álbum foi desenvolvido em um longo processo (confesso que aguardei mais tempo que esperava para o lançamento). As expectativas foram superadas, com certeza. É um dos melhores trabalhos de 2017 – particularmente o meu favorito. Mercury & Lightining é a obra mais equilibrada, inovadora, madura, e certamente mais honesta de John Mark. Coisa de outro mundo. Com influências antigas e recentes – de Bruce Springsteen a Bon Iver – as canções exploram com convicção todos os gêneros pelos quais o artista tem caminhado. Quase um indie progressivo. As incursões musicais nunca estiveram tão claras, e foram colocadas com excelência.


John afirma que no meio do processo de composição percebeu que seu objetivo (fazer músicas de adoração) era mais difícil do que ele pensava. Mercury & Lightining foi forjado em meio a uma intensa crise de fé. Como artista, compartilha suas inquietações e inclui os ouvintes em suas reflexões de forma muito inteligente. Ele explica que muitas pessoas procuram em suas músicas respostas, mas acabam encontrando ainda mais questões, o que torna a audição uma experiência desafiadora, um exercício à introspecção e um olhar honesto para que se tem apostado a vida.


“Uma fé sem algumas dúvidas é como um corpo humano sem anticorpos. Indivíduos que levam a vida contentes, ocupados ou indiferentes demais para fazer perguntas incômodas a respeito do por quê de crerem acabarão se descobrindo impotentes tanto diante da experiência de uma tragédia quanto das perguntas insistentes. A fé nutrida por alguém pode desmoronar praticamente da noite para o dia, caso ao longo da vida, essa pessoa tenha deixado de ouvir com paciência as próprias perguntas.” – Timothy Keller [4]


A pergunta que motiva o álbum é: “o que estou procurando?”. As canções falam principalmente de nossas busca: busca por Deus, por coisas materiais, busca por controle e vida eterna [5]. Estamos sempre atrás de algo ou alguém pra colocar nosso coração. Isso acontece com qualquer um, ainda que os alvos sejam distintos. O filósofo James K. A. Smith fala que todo ser humano é um tubarão existencial, ou seja, sempre inclinado para uma direção por uma bússola interna. O autor diz: “Ser humano é estar numa busca. Viver é embarcar em um tipo de jornada inconsciente rumo ao destino de seus sonhos” [6].

Nem tudo, porém, é lugar para o coração estar. John Mark entende que tem corrido atrás das coisas erradas, esperado delas mais do que deveria, e isso aos poucos o desintegra. Daí a ideia do título. Na mitologia romana, Mercúrio (representado na capa do disco) era o do deus do comércio, ganho financeiro, da comunicação, dos viajantes e dos ladrões. O que é difícil de segurar, agarrar ou entender é como mercúrio. Da mesma forma um relâmpago.


A faixa título, abertura do disco, é um prólogo muito preciso para o que o artista pretende comunicar. Em uma introdução cortante John Mark canta: “Tenho perseguido Deus/Tenho perseguido mercúrio e relâmpago/E eu tenho pressionado fortemente/Eu estou chegando perto/Ultimamente estive pensando no acontecerá entre você e eu/Eu preciso de uma nova religião ou eu preciso de uma nova vida?”. O primeiro single (lançado mais de um ano antes do disco) é um dos mais fortes de todo o álbum e fala sobre um amor preso dentro de cada um. Essa talvez seja a canção mais carregada em termos de simbolismo (outra habilidade evidente do artista). Já God Of American Success direta no tratar sobre consumo desenfreado e insatisfação constante. Enemy, Love diz que mesmo as pessoas mais próximas e queridas muitas vezes desorientam nosso coração: “Estou disposto mas sou fraco/Então venha e converse comigo/Eu não quero ser seu inimigo, amor”.


A quinta faixa, Unhaunted, é um grito contra a insatisfação: “Eu não quero viver desse jeito/Alguém tem que ceder/Eu não quero ser insatisfeito”. Persephone fala sobre coisas que acontecem de um jeito que não esperamos ou não entendemos. Fala muito sobre incerteza: “Eu cavo nas dobras da minha mente/As vezes escavando as fendas por respostas/Mas a esperança não é como eu esperava encontrar/Alguma coisa que você entende/Mas que confia.”. Death In Reverse é um ponto alto e divisor de águas no disco. John canta que: “Todas as coisas que eu faço pra me sentir mais novo/Elas só me envelhecem/Mas você me ergue como um bebê/Como uma Fênix impetuosa/E você me levanta como Lázaro/Você me ama como a morte ao inverso.”.

Passando por uma faixa instrumental (e s r e v e r n i h t a e d), Ranging Moon fala sobre a necessidade de uma luz que oriente, e a agressiva Body In Motion (com participação de Liz Vice) sobre corrida desenfreada, estar sempre em movimento.

No Country é uma autocrítica aos cristãos que vivem indiferentes ao que acontece no mundo, excepcionalmente seus problemas mais visíveis – no caso a crise de refugiados. Ela faz referência à fala de Jesus em Mt 8.20. O refrão diz: “Sim, quando a bomba explodiu/Estávamos dançando na cozinha com uma cruz de neon/Eu estou perdido/Nunca vi isso acontecer, nunca pensei que aconteceria/Não tenho um lugar para chamar de meu país”. Magic Mirror fala a respeito de “ver o Criador” por trás das coisas. Fumbling Towards The Light é sobre andar desajeitado atrás de luz.


A jornada visceral que o álbum propõe – cheia de confissões, dúvidas e receio – se encerra com a narrativa de um encontro em Nothing Stand Between Us. Essa música começa com um arranjo de metais que traz a sensação do fim de uma escalada cansativa e dolorosa. Lembrei muito da história de Jó. John canta em tom de alívio: “Rio de gratidão, tome o controle/Há um copo de alegria para todo gosto de tristeza […] Você sempre me encontra/Entre o trovão e o relâmpago”.

“Agora confesso: antes eu ouvi falar a teu respeito; mas agora te conheço, pois vi com meus próprios olhos! Por isso, retiro tudo que disse, sou um miserável! E me arrependo profundamente, perdoa-me.” Jó 42.5–6 [7]


 

John Mark McMillan é o tipo de artista digno de se debruçar sobre tudo o que diz. Comemoro muito todas suas contribuições e tudo que tem acrescentado à arte cristã e ao cenário artístico como um todo. É muito bom desfrutar do trabalho criativo, inteligente e desafiador que ele apresenta pra gente. Penso não ser preciso repetir exaustivamente todas suas qualidades que já apresentei. Indico toda a obra dele, especialmente o Mercury & Lightning: observe sua história, ouça suas músicas e considere com atenção suas perguntas. Encerro esse texto com gratidão a Deus pela arte e boa música. Grato também porque Ele, mesmo enquanto corro desajeitado perseguindo meus ídolos de mercúrio, me encontra entre o trovão e o relâmpago.


 
REFERÊNCIAS:

[1], [2] John Mark McMillan On What’s Wrong With The Modern Worship Movement (Matt Adkins/RELEVANT MAGAZINE)

[3] The Heart Of John Mark McMillan (RELEVANT MAGAZINE)

[4] A Fé Na Era Do Ceticismo (Timothy Keller/Vida Nova)

[5] Mercury & Lightning Review (Jacob Clark/SputnikMusic)

[6] Você é Aquilo Que Ama (James K. A. Smith/Vida Nova)

[7] Bíblia A Mensagem (tradução de Eugene Peterson)

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